quarta-feira, 23 de junho de 2010

O velho e o rio.



Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio
Nada me impede, me impele
Me dá calor ou dá frio
Vou vivendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada
Vejo os rastros que ele traz
Numa sequencia arrastada
Do que ficou para trás

Alberto Caiero
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Dizem os livros que a idade da sabedoria é a velhice. Feliz de quem chega aos 70, fato notável quando chega aos 80, diz um dos poemas sagrados. Somente os velhos são capazes de refazer conceitos, de filosofar. Só os velhos são sábios, pois a vida os fez assim. Aquele velho, do qual não sabemos o nome, vivia só em sua cabana, às margens do rio caudaloso. Tinha a tez morena, olhos escuros, poucos cabelos, barba branca, silencioso. Contemplar aquele homem fazia o pensamento voltar no tempo e relembrar Heráclito, o obscuro. O velho, como Heráclito, sabia que tudo era devir, assim como as águas que agora iam descendo rio abaixo. Ao mesmo tempo, o velho, trazia em seu coração a certeza platônica do eternamente bom, eternamente belo e verdadeiro. Na verdade aquele homem sempre buscara o belo, o verdadeiro e o bom. Seu coração fora feito para a eternidade. Por isto se isolara naquela cabana à beira do rio, seu coração não suportara a superficialidade do mundo. O mundo lhe causara traumas. A desumanidade, a indiferença que os seres humanos tinham uns pelos outros fazia o mundo parecer muito cruel aos seus olhos. Já tentara amar. Amara de fato, cuidara, porém, não fora compreendido. A mulher a quem amou não compreendera que ele queria algo eterno, e eternizar era o jeito mais puro de amar. Porém, homens como ele não serviam para muita coisa, e seu prazo de validade vencera. Tudo naquele mundo tinha prazo de validade, inclusive o amor , a convivência. Portanto, quando a mulher que amara já havia dado sinais de desprezo em relação ao seu amor ele preferiu o silêncio. Aos olhos dela, ele vivia a moral dos escravos da qual profetizara Nietzsche, filósofo da potência e da vontade, arauto da pós-modernidade e seus prazos de validade. A mulher em que depositara seu amor era fruto dessa mentalidade há muito difundida: de que as pessoas, assim como as coisas são descartáveis. Por isto o velho, conhecedor do pensamento humano, não a condenara. Afinal, somos o que pensamos. Ele, então, decidiu ser só e não ter filhos, pois segundo ele, ter filhos seria, nas palavras de Schopenhauer, colaborar com a miséria humana, e a pior miséria é a falta de humanização pela qual passava o humano. Mesmo só, não deixou de amar, mas de uma outra forma, como nos ditames da canção: ...calado, como quem ouve uma sinfonia. Continuou amando, mas nunca revelara o seu amor. Apenas se alegrava com a presença, com o sorriso, se comovia com as lágrimas, desejava noites ao lado daquele amor, tendo aquele corpo doce, feminino, entrelaçado ao dele, mas seu amor, o amor que tinha para oferecer, ficara subentendido, como uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de acontecer.... O amor, nele, se tornara metafísico e ele, agora velho, se tornara só! Não porque era bom, mas porque entendera que sua maneira de amar e ver o mundo era anacrônica, míope. Sua presença era incomoda, chata aos olhos do mundo. Desta forma o velho, sábio, “se escondeu” à luz dos primeiros filósofos, a margem daquele rio. Agora iria observar a natureza e questionar a vida. Com a vida aprendera que o silêncio era a melhor saída. Ali, a beira do rio, relia Fernando Pessoa, na pessoa de Bernardo Soares, e descobrira que, se o coração pudesse pensar, pararia. Por isto o coração não é pensamento! É pura emoção! Ali refazia seus conceitos. Esperava a morte, não de forma alienada. Sabia que indiscutivelmente era um ser para o doce beijo da morte e o esperava com dignidade, pois já vivera bem para saber que nada na vida pode causar tanta náusea que o ato covarde de não encarar a própria existência. Sabia que cada ser humano deveria conhecer a dor e a alegria de ser o que se é, para se tornar melhor. Desta forma o velho, contemplava o rio, seu fiel companheiro, e refazia seus conceitos sobre a existência e suas consequências: a do viver e do morrer.

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